Toda e qualquer liderança deveria
nascer naturalmente, como uma semente que, aderindo e interagindo
paulatinamente com os elementos do solo, cresce, amadurece e, durante esse
árduo processo, acaba por ganhar toda a identidade, solidez e legitimidade que
uma árvore frondosa deve ter. A verdadeira liderança nasce; não é imposta
ou transplantada pela força. Pelo contrário, se conquista e é legitimada
pela simbiose com o solo.
Infelizmente, nos últimos tempos, não tem sido
assim. A síndrome do desejo de ser líder se impregnou em nosso meio e tem feito
várias organizações tentarem produzir sementes em massa, como se árvores
constituídas já fossem. Assim, muitas vezes, pseudoárvores têm sido
transplantadas artificialmente em solos até então desconhecidos e
já habitados por outras sementes naturalmente lançadas e em fase de
crescimento. E, como tudo que é artificial, essas pseudoárvores normalmente não
se adaptam nem se amoldam naturalmente ao solo - e vice-versa. Acabam se
impondo pela força e, por mais bem intencionadas que estejam, é raro
conseguirem produzir frutos com vida, alegria e intimidade necessárias.
Aliás, a imagem da semente carrega consigo a ideia
perfeita do líder genuíno: semente que sonha ser árvore tem que se lançar à terra e com ela se misturar; tem que se
quebrar, se rachar, se doar no calor e na luz do sol; tem que se permitir regar
e nutrir com a água da chuva e com os nutrientes do solo. E, quando menos se
espera, a semente lançada já não é mais uma simples semente... é uma árvore em
processo de formação.
Como ensinou Jesus, "se o grão de trigo,
caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito
fruto"(Jo 12:24).
A semente, se quiser ter comunhão
com o solo e produzir muito fruto, precisa morrer. Líder que é líder precisa
estar disposto a se entregar. Lançar-se à terra, entregar-se e doar-se, a ponto de
nela e por ela morrer. Liderança genuína exige renúncia. Líder que não morre
pode até permanecer vivo, mas vive só. Só quem está disposto a morrer no solo e
por amor ao solo é capaz de gerar mais vida e mais vidas a partir da sua
própria.
Semente que pretende ser árvore aprende que sua
única segurança está em não ter segurança em coisa alguma. Sabe que, quando
lançada, não tem garantia ou controle sobre o lugar ou a maneira como cairá por
terra. Sabe que deve abrir mão do que sempre foi para vir a ser o que jamais
imaginou que seria. Líder que é líder coloca sua segurança nas mãos do
Agricultor e, para onde Ele lançar, vai de olhos fechados, mas com fé e coração
aberto.
Semente com cara de árvore aprende a esperar e a
depender do Agricultor, pois só sabe que, enquanto jaz no solo, nada sabe a
respeito do futuro que a espera ou do tipo de fruto que virá a produzir. Líder
que é líder não tem pressa, não justifica os meios pelos fins, nem passa por
cima das pessoas, nem corre contra o tempo. Antes, sabe esperar e colocar sua
confiança no Agricultor que é Senhor do tempo, e não em homens – geralmente,
outros líderes – que tentam barganhar valores e princípios bíblicos da semente
com sedutoras e ilusórias promessas de fixar e estabilizar sua raiz em determinado
cargo ou posição.
Mesmo assim, tem muito líder transplantado que continua
não abrindo mão da posição de liderança apenas por amor ao salário, apego ao
poder e comodismo preguiçoso... Esse não é o líder verdadeiro.
Líder que é líder se entranha no solo, se mistura
com as pessoas e nutre relacionamentos com elas. Nessa interação, não só o solo
ouve a semente, mas a semente também ouve o solo, e, sem arrogância, com ele
aprende e dele se alimenta. O verdadeiro líder, mesmo quando árvore, continua
interagindo e se entranhando na terra, pois não esquece sua origem e continua
enxergando a semente que é e sempre foi.
Líder que é líder sabe que o poder afasta e, para
não se afastar das pessoas, decide se afastar do poder e se aproximar do
serviço. Líder que é líder não tem liderados; possui amigos. Líder que é líder
não é chefe; é companheiro de caminhada. Líder que é líder ouve mais do que
fala, aprende tanto quanto ensina.
Líder que é líder não tem sempre razão, nem se encastela em seu
ego: sabe
perder, abrir mão, reconhecer seus erros e conservar a capacidade de autocrítica. Líder que é líder corta da própria carne, e não apenas da de sua
equipe.
Líder que é líder, antes de liderar quem quer que
seja, precisa aprender a liderar o seu próprio coração. Líder que é líder, se
de fato ama, cuida dos frutos podres e não os deixa contaminar os demais, nem
serem digeridos por pessoas sedentas na alma. Líder que é líder jamais escolhe
o lobo, pois sabe que privilegiar o lobo implica sacrificar as ovelhas.
Líder que é líder sabe identificar em outras
sementes árvores em potencial e lhes propiciar crescimento, sem inveja. Líder
que é líder permite que as árvores ao seu lado também produzam
frutos, e não se sente ameaçado – mas realizado – quando outros ramos, que não
os seus, começam a se destacar. Líder que é líder não medo de ser ofuscado pelo
brilho dos outros.
Líder que é líder nasce no solo, do solo e para o
solo. E é o próprio solo - as pessoas - que faz com que a semente lançada e
disposta a se doar cresça, amadureça e se legitime como árvore. Para decepção
dos obsessivos por liderança, não são os líderes que escolhem seus liderados;
são os liderados que fazem e escolhem seus líderes.
É bem verdade que a imagem que os próprios líderes
costumam passar é a de que possuem o controle de tudo em suas mãos, inclusive
das pessoas que o seguem. Mal sabem que são os liderados que cedem espaço em
seu próprio coração para que a semente do líder possa germinar, crescer e
ocupar o seu lugar. Quando isso acontece, a semente envaidecida cai na tentação
de achar que sempre foi árvore e de que pode continuar a sê-la, mesmo sem receber
o alimento do solo e o cuidado do Agricultor. É nesse momento que a árvore, até
então forte e frondosa, cai dura no árido e pedregoso chão que ela mesma
cultivou. O orgulho da árvore em achar que não precisa mais do solo, das
sementes e do Cuidador precede sua própria queda.
Por isso, nos é exigido um duplo cuidado. Aos
liderados: cuidado com o líder que você segue; ele pode estar mais perdido que
você. Aos que pretendem ser líderes e sementes em gestação: cuidado com o tipo
de líder que você quer ser, é e pode se tornar. Livre-se
da síndrome do desejo de ser líder. Permita-se impregnar do desejo de ser o
menor, o último, o servo, o amigo e o companheiro de caminhada daqueles que
veem verdade em sua vida de fé. Se com Jesus foi assim, com você não pode ser
diferente.
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