:: Não somos todos macacos (inclusive na política) ::


Não tenho vergonha de ser brasileiro; tenho vergonha dos brasileiros que o são ao meu lado, nesta pátria amada e desalmada chamada Brasil.

Nas últimas semanas, os brasileiros que têm me envergonhado mais são, sobretudo, os "nossos" jornalistas, em sua maioria extremamente tendenciosos e manipuladores - alguns, confesso, por serem bem preparados demais, outros por serem muito despreparados mesmo. Não sei exatamente qual é o caso dos Willians globais (Waack e Bonner). Acredito ser um misto dos dois, com ênfase no primeiro e tempero do segundo.

Como no Brasil não existe opinião pública - o que existe é opinião publicada - estamos em péssimos lençóis. Basta olhar o nível dos debates e das perguntas "políticas" feitas à Marina Silva, por exemplo, simplesmente por ela ser cristã evangélica - mesmo sem nunca ter se utilizado desse rótulo para fins eleitoreiros. O tom das perguntas e da condução das entrevistas vai, aos poucos, escancarando a intolerância desses falsos tolerantes, arautos hipócritas do politicamente correto:
- "Marina, você irá tomar decisões políticas usando versículos bíblicos aleatoriamente e não na realidade dos fatos?"
- "Marina, qual a sua opinião pessoal e íntima sobre o casamento gay?"

Perguntas superficiais, banais, preconceituosas. Não tanto pelas perguntas em si, mas mais pelos comentários tendenciosos dos próprios entrevistadores após ouvirem as respostas de Marina.

Ambas as perguntas são de uma imbecilidade sem tamanho. Por vários motivos.
Primeiro, porque partem do pressuposto de que é possível haver uma visão neutral da realidade, como se existissem seres humanos que não pautassem suas decisões e convicções com base em crenças pessoais. Como se os ateus não nutrissem crenças pessoais. Como se as manchetes e matérias de jornais fossem puritanamente isentas. Como se as pesquisas científicas não fossem direcionadas intimamente por um conjunto de convicções íntimas. Como se Richard Dawkins, ao propor a possibilidade de aborto em fetos com síndrome de Down, estivesse sendo totalmente isento e científico.

Segundo, porque levam o eleitor que desconhece a Bíblia a crer na falácia de que ela é um livro casuístico, burro e irracional, que possui resposta para todas as perguntas e utilizado exclusivamente por pessoas igualmente casuísticas, burras e irracionais, que acreditam que algum livro mágico poderia, de fato, possuir resposta para todas as perguntas. Como se o religioso, seja ele cristão evangélico ou não, fosse necessariamente um ignorante estúpido desplugado da realidade dos fatos. Confesso: aqui, grande parte da culpa é nossa, cristãos evangélicos que, em boa parte, vivem um evangelho circense, tosco e mágico, sem saber explicar a razão da esperança que existe em nós.

Terceiro, porque ignoram o fato de que os outros presidenciáveis também tomam decisões com base em convicções íntimas e crenças pessoais, declarem-se eles irreligiosos ou não. Se o Eduardo Paes chama um pai de santo pra fazer um "trabalho" pra não chover no Ano Novo no Rio de Janeiro, ninguém questiona; afinal o que não se pode fazer é orar e ser cristão evangélico. Se os políticos em geral se utilizam de gurus e de outros pseudo iluminados espirituais para tomarem decisões práticas, ninguém está interessado; afinal, como diz o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, ser zen-budista e acreditar na força dos astros, nos dias de hoje, é considerado intelectualmente "cool" e uma virtude racionalmente admirável. Por outro lado, ser cristão e acreditar no poder da cruz é tido como uma loucura fundamentalista, deplorável e burra, fruto de um surto mental.

Quarto, porque desconhecem que a liberdade de crença - que inclui a liberdade de não se crer em nada -, hoje existente nas grandes democracias do mundo, é fruto do sangue de cristãos que entregaram suas vidas para que esse direito viesse a existir.

Quinto, porque ignoram que o conceito de laicidade do Estado partiu da boca do próprio Jesus, que ensinou seus discípulos a dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. O problema é que o Estado só é laico quando é para retirar o crucifixo dos órgãos públicos, e não para vedar a veiculação de horóscopo, astrologia e afins, além de ideais da ditadura da minoria, em canais públicos educativos.

Sexto, porque se esquivam do fato de ser o cristianismo o berço da ciência e da produção científica, incutindo a falsa ideia de que o ser humano moderno tem que fazer uma escolha forçada entre Deus ou ciência; como se ambos fossem inconciliáveis. Para sua decepção, existem filósofos e cientistas cristãos. Para sua maior frustração, existem cientistas e filósofos não cristãos que acreditam no criacionismo. Para considerável parte dos estudiosos, não precisamos ser todos macacos para lutar contra o racismo e preconceito, como fizeram você acreditar... Pois é! Nem todo quadro é como a mídia pinta.

Sétimo, porque mostram a excrescência de um povo que está mais preocupado com o que o candidato crê do que com o que ele se propõe a fazer com suas crenças; porque mostram a amnésia de um povo de curta memória, que não está preocupado com os escândalos morais cometidos por seres humanos, seja dentro ou fora da religião, seja em nome da crença ou da descrença. Convicções de foro íntimo jamais deveriam ser uma questão pontual para se eleger um candidato, mas sim o compromisso que ele assume diante da nação e o que, de fato, ele faz com suas convicções e crenças pessoais ao exercer um cargo público em nome e benefício de todos.

Por fim, porque não levam em conta que o padrão moral da humanidade, existente em homens e mulheres de todo tempo e cultura, só faz sentido porque Deus de fato existe - pois, como bem disse Dostoiévski, se Deus não existe, tudo é permitido.

Infelizmente, essa tem sido a realidade do Brasil: pode tudo nessa pátria amada e desalmada; uma nação antidemocrática, corrupta, imoral e mensaleira, onde tudo é permitido...pois Deus, se é brasileiro, já não tem mais existido por aqui. Afinal, pelo que parece, já o expulsamos daqui faz tempo.
...

Em tempo: Dilma desistiu de participar da tortura pública e tirana do Jornal da Globo.

Por Fernando Khoury

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