:: Identidade ::

Miserável homem que sou, quem me livrará de mim mesmo?
Meus dilemas e idiossincrasias ameaçam me perturbar.
Minhas ambiguidades anseiam por me tirar o sono.
Minhas fraquezas lutam para me derrubar e desfigurar minha identidade.
Meus vazios tentam, a todo custo, se apoderar de mim.
Todos eles me tentam, mas nenhum deles me define.
Quem eu sou?
Eu sou filho.
De quem eu sou?
Eu sou do meu Pai.
Como sei o que sou e de quem sou?
O próprio Pai me revelou na carta de amor que escreveu pra mim.
E disse mais: “meu filho, você é nova criatura! Eu te resgatei do domínio das trevas e te transportei para o Reino do meu Filho amado”
Sim, nova criatura… mesmo com meus dilemas e idiossincrasias.
Mesmo com minhas ambiguidades, fraquezas e vazios.
Mesmo sabedor da fraude que sou quando tento negar quem de fato sou.
Pois pecado — dizia Kierkegaard — é em desespero não querer ser a si mesmo diante de Deus.
Desse mal não sofro mais!
Pois sei que Deus não mais me condena — e nem eu!
Pois sei que Deus me tirou do pecado, mas ainda não tirou o pecado plenamente de mim.
Quanto mais reconheço a velha criatura que habita em mim, mais eu me aproximo da nova criatura que em Cristo já me tornei.
Quanto mais enxergo minha antiga identidade, mais eu vejo o que Deus já me tornou, mas ainda, em plenitude, não sou.
Quanto mais sinto o cheiro da minha podridão, mais o perfume do Mestre ganha significado e se impregna em mim.
Quanto mais cônscio me torno do que sou incapaz, mais certo fico de que Deus pode me capacitar para todas as coisas.
Meus dilemas e idiossincrasias? Ainda os tenho, mas eles não me têm mais.
- Foram crucificados com Cristo!
Minhas ambiguidades e fraquezas? Ainda as sinto, mas elas não me sentem mais.
- Estão pendurados no madeiro!
Meus vazios? Ainda me tentam, mas não me possuem mais.
- Foram esvaziados na completude do amor daquele que se esvaziou para me completar!
É pela cruz que vivo e, seguro, com Lutero posso proclamar:
“Eu sei que não sou tudo que devo ser, eu sei que não sou tudo o que serei, mas pela Graça de Deus eu sei que já não sou mais o que eu era”.

Por Fernando Khoury


— — —
“Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo.
Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.
Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.
Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim.
Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus;
mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros.
Miserável homem eu que sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte?
Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado.”
Romanos 7.18–25
:: O vazio nosso de cada dia ::

Acredito ser um tabu, no meio religioso cristão, admitir-se a ideia de que uma pessoa salva, que efetivamente acredita em Jesus como seu Senhor e Salvador, possa vir a experimentar um vazio existencial em sua vida.
Já li e ouvi muita coisa “gospel” sobre o tema. Todas, em uníssono, tratam  o vazio existencial humano como uma triste e simplória desventura daqueles desafortunados espiritualmente que ainda não foram feitos filhos de Deus através do sacrifício de Jesus Cristo. Algumas outras reflexões sobre o assunto – de forma talvez ainda pior – tratam os filhos de Deus que sofrem de vazio interior como pessoas acomodadas na fé, que não exercem sua vocação e possuem problema em sua intimidade com Deus. Nesses (rasos) termos, para os incrédulos, a resposta para o vazio existencial estaria, por óbvio, em não se crer em Jesus Cristo. Para os salvos, por outro lado, a resposta para o vazio existencial estaria no comodismo da fé e na falta de intimidade com o Pai. Simples assim! Em português mais claro: “Cristão que sente vazio interior está afastado do Pai”. “Cristão que sente vazio existencial não se entregou verdadeiramente à sua vocação e ao trabalho no Reino”. “Quem coloca Deus em primeiro lugar está sempre cheio e não pode se sentir vazio!”.
Para defender esse ponto de vista, citam Dostoiévski, citam Blaise Pascal, vociferam uma mensagem que a Bíblia não anuncia: “Existe no homem um vazio do tamanho de Deus”. “Somente Deus tem o tamanho exato do vazio que existe dentro de nós”. “Quem verdadeiramente aceita a Jesus Cristo como Senhor e Salvador abre as portas do coração para o amor Deus, e o vazio existencial que antes existia não existirá nunca mais, pois passa a ser plenamente preenchido por Ele”.
Particularmente, amo as duas primeiras frases. Vivi e vivo essas verdades em minha vida. Mas daí concluir-se, com base nelas e na Bíblia, que um cristão jamais poderá sofrer de vazio existencial ou se ver coagido a lutar contra esse mal constitui um largo e perigoso passo. Além do mais, sob essa deturpada ótica – se a psicologia está mesmo certa ao concluir que depressão e vazio interior andam de mãos dadas –, filhos de Deus também não poderiam jamais sofrer depressão. Jonas, Elias e, para citar um homem de Deus um pouco mais recente, Spurgeon não seriam filhos de Deus!
Na minha humilde visão, este é apenas mais um tabu no qual muitos evangélicos ainda acreditam. Talvez até você mesmo. 
Se você pensa assim, sinto te desapontar: muitos cristãos, salvos pelo sangue de Cristo, talvez mais tementes e fiéis a Deus do que você e eu – é provável! – ainda se sentem vazios interiormente e sofrem desse mal. Todavia, a maioria simplesmente não se sente confortável de confidenciar o vazio que sente num ambiente em que ainda impera a mentalidade que insiste em sempre tratar fraquezas e debilidades psicológicas do próximo como ausência de conversão ou de uma fé frouxa. Alguns irmãos em Cristo, é verdade, até têm coragem de confidenciar essa fraqueza. A grande maioria, contudo, ainda se sente constrangida pelo sistema super herói gospel vigente em nosso meio e, em silêncio, sofre sozinha e brada gritos de desespero na alma toda noite, ao colocar sua cabeça no travesseiro:

“POR QUE? Se Jesus entrou na minha vida e perdoou meus pecados... Se Jesus quebrou todas as maldições... Se eu já senti o seu inconfundível amor e já chorei copiosamente em sua presença... Por que ainda sinto esse vazio dentro de mim?”.

E, no palco teatral eclesiástico onde estão todos sempre se esforçando para sorrir e se mostrar realizados, a angústia aumenta: “Como é possível eu ser cristão e continuar sentindo esse vazio que aperta o peito? Será que Jesus não foi suficiente? Será que eu sou realmente salvo?”

Acredito piamente que o vazio a que se referem as frases de Dostoiévski e Pascal, as quais tanto amo e que são verdade em minha vida, evidenciam a raiz do problema do vazio interior, fruto de um coração rebelde para com Deus. Sugerem, portanto, que a parte principal da crise existencial que aflige todo ser humano se retroalimenta e se aguça quanto mais distante da verdade e do amor do Pai permanece. Como seguidores do Mestre, de fato, os dilemas metafísicos que você e eu experimentamos são plenamente satisfeitos em Cristo: "Por que eu existo? Qual é o sentido da minha vida? De onde eu vim? Para onde eu vou?”.
Mas acredito também, por outro lado, que boa parte de irmãos nossos, mesmo tendo plena convicção acerca dessas verdades e do amor do Pai, ainda podem sentir um vazio interior que não encontra resposta fácil e pronta no jargão do “não exercício da vocação” ou da “falta de intimidade com Deus”. Provavelmente, esses irmãos preciosos estão ao meu lado, estão ao seu lado. Talvez esse irmão precioso ao meu lado seja você. Talvez esse irmão precioso ao seu lado seja eu. Talvez sejamos nós dois. Vamos tirar nossas máscaras, perder a vergonha e nos apresentar?
Talvez o que nos falte seja, apenas, coragem de falar abertamente sobre o assunto, sem medo de assumir o caos que ainda somos e do qual Deus começou a nos resgatar, firmando a promessa de nos redimir plenamente um dia. Vale ressaltar: um dia! Que certamente ainda não chegou!
Nesse contexto, todo mundo sai perdendo, pois ninguém mais assume suas fraquezas e humanidades, seus vazios e ambiguidades, suas idiossincrasias e debilidades - seja em que área for. E, assim, acabamos condenados a viver num ambiente maquiado e doente, tentando parecer plenamente ser o que pela fé já somos, mas na História, física e temporalmente, ainda não. Todos saímos perdendo. Vivemos como se todos os nossos anseios da alma já tivessem sido saciados, como se todas as nossas dúvidas e dilemas já tivessem sido resolvidos. Vivemos como se Cristo já tivesse voltado, como se já tivéssemos corpos glorificados, como se a nossa natureza caída já tivesse sido plenamente redimida. Vivemos como se a criação não soubesse mais o que é gemer com dores de parto, como se nós mesmos não precisássemos mais gemer interiormente esperando ardentemente a redenção do nosso corpo e a nossa adoção como filhos.
Foi o próprio Cristo que nos encorajou a termos bom ânimo, pois enfrentaríamos aflições. E se a minha aflição for um vazio interior? Me apedrejariam?  E se o meu espinho na carne for um vazio existencial? Me acusariam de incrédulo e herege? E se o meu vale da sombra da morte for um vazio contra o qual luto todos os dias? Seria sinal de que o meu Bom Pastor não está em mim e comigo?  Sou todo dia confrontado com o mesmo sentimento que batia no peito de C. S. Lewis: se encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo possa satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo. De fato, nós fomos feitos para outro mundo. Existencialmente, somos seres ambíguos. 
Você não está sozinho. Eu também não. Só precisamos nos conhecer. Por isso, se você já pertence a Cristo e Ele pertence a ti como Senhor e Salvador, eu te convido a não ter mais medo de declarar seus vazios, debilidades e fraquezas. Junte-se à boa companhia do apóstolo Paulo e declare: "miserável homem que sou, quem me libertará desse corpo mortal?". Mas também te convido, juntamente com Paulo, a dar graças a Deus por Jesus Cristo e a declarar em seu coração: "se Cristo está em mim, já não há mais condenação! Se Cristo está em mim, meu corpo pode até estar morto por causa do pecado, mas o mesmo Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em mim e dará vida a esse meu corpo mortal. O próprio Espírito Santo me ajuda em minhas fraquezas!"
Tudo que somos pertence a Deus, inclusive nossos vazios! Em Cristo, Deus nos tirou do vazio, mas ainda não tirou o vazio plenamente de nós. Num dia, que ainda não se chama hoje - mas que há de chegar em breve -, isso ocorrerá! Mas hoje, lembre-se: Deus não nos poupa do sofrer; Ele nos poupa no sofrer. Sim, é verdade, Deus nos tirou do império das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado... mas escuridões e medos particulares ainda podem nos assombrar. Nossa conversão pode até não necessariamente nos curar das nossas fraquezas e debilidades existenciais, mas certamente nos dá uma fé inabalável que nos ajuda a lidar e lutar contra elas, aguardando com firme esperança a chegada do Grande Dia em que não haverá mais lágrima, nem tristeza, nem dor. 

Deus, meu Pai, eu sei que tu me amas. Me amas assim, do jeito que sou, mesmo com meus vazios. Mas também sei que o que hoje sou está bem longe de ser o que um dia serei, quando contigo, em plenitude, estiver. Eu creio que Jesus se esvaziou e desceu à nossa existência para que ninguém precisasse mais viver existencialmente vazio. Eu te agradeço pelo túmulo de Cristo estar vazio; isso me enche de esperança! Me ajuda a cultivar o bom ânimo! E me faz crer que um dia estarei livre de todas as minhas fraquezas. Um dia, as amarras e os grilhões que ainda me prendem em minhas debilidades existenciais irão se romper totalmente. Sem medo do presente, anseio por esse dia! Mas enquanto esse dia não chega, vou viver no presente, caminhando e lutando contra tudo aquilo que tenta me derrubar em minha caminhada com Cristo. Senhor, renova a minha mente. Transforma o meu coração. Esvazia-me, a cada dia, do que já estou cheio. Enche-me, a cada dia, do que ainda estou vazio. Amém.

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